terça-feira, 25 de agosto de 2009

NA GRAFONOLA DO MARSUPILAMI | Luís Costa e Paula Petreca

Vivemos num mundo cada vez mais pequeno. As fronteiras, pelo menos virtuais, deixaram de existir, e é cada vez mais fácil trocar ideias e pensamentos com alguém que vive simplesmente a milhares de quilómetros. Luís Costa e Paula Petreca são uma das provas disso mesmo. Tinham um mar imenso entre eles, mas não foi por isso que deixaram de unir esforços, e criarem algo no mínimo interessante, o EP “Short Fleeting Moods”, onde ele toca e ela dança. O Marsupilami quis saber como tudo aconteceu, e esteve à conversa com os dois.

luis e paula - ensaioComo surgiu esta parceria entre vocês os dois, quando têm “apenas” um oceano (atlântico) pelo meio?

Paula Petreca (PP) - Eu andava a descobrir o myspace, e na época tinha um interesse especial por fado, e acho que por uma página devotada ao Carlos Paredes encontrei o Luís como um dos artistas relacionados, e a empatia foi imediata. Tempos depois, escrevi a ele pedindo autorização para usar suas canções em performances (no Brasil há sempre de se ter direitos sobre isso, ou então tem de se pagar coimas), e daí ele respondeu que autorizava mas que não imaginava como podiam ser dançados seus temas… Acho que isso deixou-me inquieta e o primeiro vídeo (Innocence’s Demise) foi uma “resposta” a essa questão do Luís.

Uma pergunta para o Luís: alguma vez tinhas imaginado as tuas músicas retratadas da forma que a Paula o fez?

Luís Costa (LC) - Nunca. Como a Paula disse, a minha primeira resposta quando ela me falou em dançar a minha música foi que não me importava nada, mas que não imaginava como tal seria possível. Confesso que não sou grande conhecedor de dança contemporânea, sempre pensei que fosse preciso ritmo para se dançar algo, mas assim que vi as primeiras gravações que ela fez todas as minhas dúvidas se dissiparam. E é engraçado porque é sempre uma surpresa quando vejo as interpretações que a Paula dá às minhas músicas, normalmente é sempre algo que eu nunca imaginaria. No fundo acho que é isso que me fascina, a forma como a nossa percepção de algo muda, consoante os sons e as imagens que lhe associamos.

Paula: é exactamente dessa fora, sensual e misteriosa, que sentes as músicas do Luís? E, foi algo que surgiu de imediato, ou algo que foi crescendo?

PP - Danço exactamente o que ouço, às vezes até me questiono se não estou a fazer apenas uma tradução simultânea, ecoando uma fala ao invés de conversar com ela… Mas isto é também questionamento que vem de minha dança. Sou uma dançarina em crise constante… Não sinto sensualidade nem mistério em verdade, é engraçado porque em princípio achava a música do Luís muito um fado, mas muito grunge, como se essas duas coisas pudessem ter se miscigenado. Claro que depois de um tempo, fui criando maior familiaridade, algumas apreciações foram tornando-se mais recorrentes, e a percepção de certas sintonias foi afinando o diálogo… Mas isto vai sempre se transformando, porque acho que tanto eu quanto o Luís temos grandes buscas a respeito de nossos afazeres, de modo que há sempre lugares por chegar…

Este é o teu quarto trabalho, e talvez o mais ”sério”. Concordas com esta afirmação Luís? Encaraste-o dessa forma?

LC - Não, de todo. Mais uma vez foi um fruto do acaso, da colaboração inesperada com a Paula, e a única premissa desde o início foi manter as coisas simples. A minha última demo foi bastante mais pensada e trabalhada, até porque implicou a colaboração com outros músicos, e a intenção à partida para este trabalho foi mesmo simplificar o processo e tentar conseguir o melhor resultado possível com o mínimo de meios possível. É claro que rapidamente vim a descobrir que é bem mais complicado fazer algo simples do que o inverso! (risos)

Luis e Paula - live

Sei que apresentaram este trabalho ao vivo, os dois. Qual foi a reacção do público que esteve por lá? É algo que poderá voltar a acontecer?

PP – Olha, foi muito fixe partilhar a cena com o Luís, e observar como ressoa entre o público de música a ideia de alguém dançar ali e isso ser também concerto… Eu queria experimentar isso muito mais, mas tenho maior dificuldade de fazer isso em um ambiente de dança, porque a ideia da dança contemporânea já propôs tantas formas de co-existir com a música que nada mais parece ser original… Mas o facto é que a inquietação de dançar num concerto tem também um viés muito prático: eu sou daquelas que fica sempre ao pé do palco, “saracutiando”, tapando a vista de algumas pessoas, o que às vezes isso é um tanto “pentelho” para quem vai ali para outra apreciação, então se eu vou para o palco, já não estou a tapar a vista de ninguém, a pessoa pode escolher ficar só com a performance do Luís se quiser. (risos)

LC - Para mim foi bastante estranho, porque venho de um background de concertos “tradicionais” e esta apresentação foi no contexto do espaço experimental do C.E.M. (Centro Em Movimento), o ambiente era completamente diferente de um concerto. Mas foi muito bom, acho que a pequena dimensão e a acústica da sala conferiu uma intimidade muito maior às músicas e à apresentação como um todo, e a reacção pelo menos das pessoas com quem falei foi muito boa. É definitivamente uma experiência que queremos repetir, mas ainda estamos a tentar trabalhar melhor a ideia, quer a nível da parte visual, quer a nível da parte musical com a adição de loops.

Em relação ao EP “Short Fleeting Moods” propriamente dito, como tem sido o feedback, quer em Portugal, quer no Brasil? Têm divulgado por lá também?

LC - Tem sido bom, principalmente tendo em conta a pouquíssima promoção que eu faço! (risos) No dia a seguir a ter posto o EP online, fui contactado por uma loja online do Japão com o intuito de o vender por lá, que foi das coisas mais surreais que me aconteceu a nível musical. A nível de downloads da última vez que me informei já andava perto dos 500, o que é muito bom tendo em conta que não faço promoção ao vivo do disco.

PP - Eu até agora estou estupefacta com a ideia de que isso está a venda no Japão… E também muitos colegas meus que nos viram actuar juntos, acabaram por se interessar pela música do Luís, de modo que distribuí uns álbuns… Para o Brasil propriamente dito, só enviei algumas cópias à minha irmã (que é uma grande produtora e divulgadora), mas tenho uns amigos que tem por lá labels, aos quais ainda não tive tempo nem organização para enviar nada, de modo que é capaz de ficar para fazer essa distribuição só mesmo quando eu voltar.

Há uma pergunta incontornável a fazer à Paula: quais são as maiores diferenças e semelhanças, musicalmente falando, entre Portugal e Brasil?

PP - Eu sempre penso muito nisso… Acho que as semelhanças e diferenças são muito relacionadas e andei pensando se isso não tem a ver um bocado com o modo como a cultura (local daqui e de lá) foi exposta à cultura estadunidense… Porque eu ouço o Luís, o Azevedo Silva, os Dead Combo, o Nuno Rancho, o Noiserv; e ouço isso se calhar porque tive um dia ouvidos de Nirvana, Jeff Buckley, Ennio Morricone, Carlos Paredes… E assim também é como eu aprecio meus compatriotas Hurtmold, Polara, Los Hermanos, Totonho e os Cabra, Cidadão Instigado (etc. …), vai ver porque me chegam aos ouvidos, que um dia já ouviram Black Sabbath, Smashing Pumpkins, Strokes, Roberto Carlos, Noel Rosa, música de umbanda…. Não sei se consigo ser directa sobre isso, porque não é algo simples como causa e consequência, mas é como se as informações a que eu fui exposta direccionassem-me para um hábito de apreciação que possibilita-me navegar através de géneros com alguma coerência estilística, que é muito pessoal… Mas pá, em termos de cena… Bom eu era de São Paulo, que é uma cidade muito grande, então a dinamicidade é maior, e eu via as bandas e músicos se articulando uns com os outros para viajarem o país, irem tocar noutros lados, trazerem também os camaradas de longe para tocar para nós, isso é algo muito fixe que vejo acontecer por lá, essa circulação, que aqui ainda não vi muito…

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Qual a vossa opinião em relação ao panorama musical nacional?

LC - Penso que já me tinhas feito essa pergunta numa entrevista anterior, e a minha resposta continua a ser a mesma: é a melhor fase que me lembro de viver na música nacional, pelo menos a nível criativo. Estou constantemente a descobrir novos projectos com uma qualidade incrível, e felizmente a geração mais nova parece andar mais atenta ao que se vai passando na música nacional. Para além disso, é bom ver que alguns projectos que começaram pelo underground têm conseguido extravasar para um público maior e mais mainstream, como o caso dos Deolinda e dos Peixe: Avião, por exemplo.

PP - Eu me surpreendi muito com a diversidade de propostas, e também com a fertilidade criativa dos artistas, mas também eu não tinha informação actualizada sobre a música portuguesa, sabia de cá dos fadistas e desta tradição, e acho que nada para além disso. No entanto, acho pena que essa inovatividade da cena independente reverbere pouco para a música de massa, posso estar enganada, mas o que se vende nos destaques nacionais da Fnac, ou outras lojas do género, retrata um amálgama mais homogéneo e previsível do que há por aí… Mas isso acontece também em meu país, e se calhar no mundo todo.

Que projectos nacionais têm ouvido?

LC - Tenho ouvido muito o Noiserv, que lançou para mim um dos melhores álbuns de 2008, continuo a ouvir bastante o álbum dos Deolinda, o Nuno Rancho, os Pontos Negros… para além disso, durante o dia vou “saltitando” muitas vezes de myspace em myspace e acabo por descobrir coisas novas muito boas; a minha mais recente descoberta foi o Nuno Mar, que tem músicas ambientais lindíssimas.

PP - Já mencionei o Azevedo Silva, os Dead Combo, o Nuno Rancho, o Noiserv… Uma amiga deu-me um mp3 carregado de cantores populares como o Zeca Afonso e o Rodrigo Leão, e tenho gostado de algumas coisas… Estive também em alguns concertos que gostei muito como o da Lula Pena com o Norberto Lobo, e os Farrafanfarra. Confesso estar muito curiosa sobre a música pimba, porque às vezes apetece-me divertir um bocado com músicas mais chulas.

Há uns tempos, por alturas de “…So Said The Mute”, perguntei-te para quando um álbum. Já mudaste de opinião?

LC - Já mudei, e já voltei a mudar de novo para a opinião inicial! O meu projecto a solo de momento está em standby (à excepção das experiências com a Paula para uma nova apresentação ao vivo), porque formei uma nova banda com o Afonso Cabral e Salvador Menezes dos V.Economics, e portanto os meus esforços de composição estão concentrados exclusivamente nesse projecto.

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E agora, que podemos esperar num futuro próximo de vocês os dois?

PP - Mais vídeos de certeza, e pelo menos um concerto antes de eu ir embora… (risos)

LC - O que a Paula disse… e da minha parte, espero lançar uma demo/EP com a nova banda ainda este ano, e começar a apresentar o projecto ao vivo.

O Hiro Nakamura ainda se mantém como a tua personagem favorita de banda desenhada, Luís? E a tua Paula, qual é?

LC – Sem dúvida, até porque nesta nova temporada do Heroes ele é a única coisa que se aproveita no meio daquela salganhada toda! (risos)

PP - Eu sempre gostei muito da Turma da Mónica, e tive vários favoritos daqueles personagens ao longo da vida… Estou numa fase muito Chico Bento actualmente, meu favorito… (risos)

Myspace de Luís Costa

Myspace de Paula Petreca

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