quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Na Grafonola do Marsupilami com Landfill

Daniel Catarino, aliás Landfill, é um jovem alentejano que imana talento. É no próprio Alentejo - onde nasceu, vive e estuda - que vai buscar toda a sua inspiração e criatividade. É de lá que bebe a água que depois transforma em música, música essa que é usada como sua principal forma de expressão sobre tudo aquilo que vê e sente... Landill, um dos muitos projectos de Daniel Catarino, foi a desculpa para uma conversa com o mestre...

Antes de mais obrigado Daniel Catarino, ou melhor Landfill, por aceitares a responder a algumas perguntas que gostava de te fazer. Obrigado.

Quando é que decidiste fazer este teu projecto a solo, Landfill? Qual era o objectivo na altura?

Este projecto começou em 1999, na altura em que tive um gravador de 4 pistas em casa. Comecei por gravar instrumentais e brincar com arranjos, sobrepondo guitarras e outros efeitos. Desde que comecei a aprender a tocar, o meu objectivo sempre foi criar música. Em 2002, quando comprei finalmente um computador, o entusiasmo cresceu, reparando na qualidade de som que se conseguia com tão pouco material. A partir daí, comecei a registar tudo o que componho, primeiro como um rascunho, depois tentando simular uma gravação de estúdio com o material que tenho.

Para além deste projecto, tens ainda mais outros quatro, em que dois deles são projectos a solo também, que é o caso de Oceansea e Long Desert Cowboy! Porquê todos estes projectos? E como consegues separar todas estas personalidades umas das outras?

Como dizia, registo tudo o que componho, e tenho uma mentalidade bastante aberta para a música. Assim como ouço todos os tipos de música, também tenho facilidade em fazer coisas diferentes, dependendo dos estados de espírito.
A princípio foi tudo um pouco aleatório, mas actualmente a divisão é bastante simples: o que for acústico e em inglês é assinado como Oceansea, o que for em português (independentemente do formato) é assinado como Landfill, e o material mais experimental será Long Desert Cowboy.
Depois ainda tenho os projectos Moneymaking Machine, Delay Lama e A Thousand Sounds of Displacement, para os quais componho procurando um estilo mais definido, mais rock e virado para o trabalho em grupo. Nestes casos, levo apenas uma base (quando são compostos por mim), deixando os arranjos para a banda.

Onde vais buscar a inspiração para as tuas músicas, e para toda esta diversidade que tens demonstrado?

São coisas um pouco difíceis de definir. Pode parecer um pouco cliché, mas a música aparece-me naturalmente como uma forma de expressão. A inspiração e a diversidade têm então as mesmas fontes, que são os universos bastante distintos em que vivo. Sou estudante em Évora, onde há uma vida social mais activa, onde se conhece muita gente e se vive mais intensamente. Depois passo fins-de-semana e férias em Cabeção, a minha terra natal, uma pequena vila no interior alentejano, com poucos habitantes e pouca actividade cultural de qualquer género, onde os boatos são permanentes e se é obrigado a adoptar uma postura o mais imparcial possível nas relações interpessoais, para evitar entrar nesse ciclo.
De resto, o trabalho, as experiências por que vou passando, as alegrias, as desilusões, as coisas do costume.

Como Landfill, lançaste já um álbum em 2006 intitulado “Panorama de uma vida normal”, e preparas-te para lançar ainda este ano, um novo álbum! Como tem sido o feedback das pessoas que ouvem o teu trabalho?

É difícil perceber isso, porque o próprio projecto ainda não se definiu. Eu sei a direcção que vou tomar com ele, mas creio que as pessoas que ouviram o “Panorama…” e algumas das novas músicas ainda não conseguiram definir “Landfill” como experimental ou comercial, ou qualquer coisa pelo meio.
Tive uma recepção bastante boa a esse primeiro trabalho, o que me surpreendeu, sendo todo gravado em casa, com temas longos e arrastados, pretendendo criar ambientes e não canções, sem masterização e produção quase nula. Landfill pretende ser um projecto que abranja tudo o que me apeteça fazer, e tanto pode ser experimental e ruidoso como comercial e melódico. Não procuro etiquetas, mas também não procuro não as ter, é-me um pouco indiferente. Certamente que nunca farei música com outro objectivo senão o de me sentir satisfeito com ela, sem pensar se será demasiado comercial para o pessoal do indie ou demasiado experimental para o pessoal do pop.
Mas, no geral, as reacções têm sido positivas e vindas de pessoas de vários universos musicais.

Já é possível ouvir dois temas no teu Myspace do novo álbum, mas que nos podes adiantar sobre “Cantigas do Pobre e do Morto”?

São apenas demos dessas canções, não versões finais.
Será diferente, misturará o ambiente do anterior com canções e palavras. “Mais um dia igual” já apontava nessa direcção. Trabalhei bastante as letras e os arranjos, para tentar criar uma estética o mais original possível, mas acima de tudo que me agradasse.
Penso que será um álbum que agradará à maioria dos que gostaram do “Panorama de uma vida normal” e que conseguirá atrair gentes de outros universos musicais, já que é bastante diverso. Terá desde blues a pós-rock, rock progressivo, simples canções verso-refrão-verso com solos pelo meio, assim como ambientes mais experimentais e espaciais. É basicamente rock, considero que já o EP o era. Tudo o resto será apenas um conjunto de sub-categorias.

Tanto a nível de composição musical, como a nível literário, o que queres nos dizer com o teu trabalho?

A nível musical, procuro apenas criar estéticas que goste, independentemente dos estilos. O cruzamento destes também é bastante estimulante, assim como o pegar de uma estrutura simples e transformá-la em algo mais orgânico, com a sobreposição de inúmeros arranjos.
A nível literário, procuro normalmente apresentar pontos de vista pessoais sobre várias situações da vida, nada de invulgar. Escrevo sobre o geral e mais raramente sobre o particular, porque é assim que vejo (ou tento ver) o mundo. Escrevo vulgarmente sobre os defeitos humanos, embora não considere as minhas letras como negativistas. O defeito é uma condição inata.
Embora algumas canções sejam pequenas histórias condensadas à sua duração, outras são de significados aleatórios, ou seja, frases que não servem um sentido global da canção, mas que fazem sentido por si próprias, isoladas das outras.
Penso que todas as letras (não só as minhas) rodeiam os mesmos temas (amor, vida, morte, frustrações, satisfações, etc.). A forma como se transmite essa mensagem é que muda, e é fundamental, pois pode dar-lhe outros sentidos “mágicos” ou individuais.

Tens sentido dificuldade em divulgar o teu trabalho?

Quando o “Panorama…” foi editado, não fazia ideia de como funcionava a divulgação de um projecto musical, e penso que continuo sem saber muito. Limito-me a colocar algumas notícias em fóruns ou blogs e a adicionar gente no myspace. Entretanto, quando o Henrique Amaro passou durante algumas semanas o “Mais um dia igual”, reparei que as visitas às páginas relacionadas com o projecto aumentaram bastante, foi a melhor divulgação que tive até agora. De resto, não tenho conhecimentos de que meios utilizar para uma melhor e adequada divulgação da minha música, e até que os ganhe, vou deixando andar e esperando que ela acabe por chegar a mais gente pelos seus próprios pés. Mas actualmente estou a enviar promos para alguns programas de música portuguesa interessantes, press releases para alguns blogs, etc.
Não acredito muito na ideia de que é enviando material para o maior número de locais que se consegue uma boa divulgação. Penso que o principal é conseguir a atenção daqueles que têm uma tendência natural para despertar o interesse dos outros.

Sei que disponibilizaste o teu trabalho anterior, que foi editado por uma netlabel a Test Tube, para download gratuito via net. Qual é a tua opinião em relação á música vs net, e á consequente partilha/pirataria que se vive hoje em dia?

Penso que a pirataria prejudica acima de tudo as “grandes” bandas, com investimentos de milhões na edição dos seus álbuns. Para as bandas desconhecidas, é fundamental esta partilha/pirataria para que as pessoas conheçam o seu trabalho.
Para além disso, a net e a era digital permitiram uma enorme facilidade na troca de experiências musicais, assim como no enriquecimento da nossa cultura. Ainda me lembro que, antes de ver os primeiros filmes em divX, dizia que não gostava de cinema, pois os únicos filmes que via eram os que passavam na nossa televisão. Hoje em dia sou fanático.
De qualquer forma, acho exagerado o ritmo a que a informação se partilha hoje em dia. Pode ser positivo caso sejamos selectivos o suficiente, ouvindo e vendo apenas o que sentimos que vale a pena, mas também pode ser negativo se nos limitarmos a atafulhar de “material” digital, sem que alguma vez cheguemos a ver a capa deste ou daquele álbum. Acho que a linha se pode traçar no momento em que dizemos “já tenho esse álbum” ou “já ouvi esse álbum”.
De qualquer forma, sempre que posso, gosto de comprar CD’s.

Como é ser-se músico no Alentejo? Por exemplo, a nível de locais para se tocar, achas que é muito diferente de outras zonas do país?

O Alentejo tem muitas e boas salas para espectáculos, mas, salvo raras excepções, ou estão desprovidas de actividades, ou, quando estas acontecem, têm uma afluência bastante reduzida. No último concerto que dei com Landfill, estavam cerca de vinte pessoas num local com capacidade para quinhentas, e toquei num palco onde cabia uma orquestra sinfónica.
Existe algum mercado de bandas de covers, os bailes estão (quase) sempre cheios, mas não há tradição de música original, e as poucas coisas que aparecem raramente passam de cópias de um ou outro “monstro” do rock.
Em suma, existem locais mas pouca vontade de organizar actividades, e ainda menos de um público as frequentar.

Qual é a tua opinião em relação ao panorama actual musical português?

Penso que nunca esteve tão bom. Facilmente conseguimos apontar três ou quatro bons exemplos de excelentes projectos em qualquer estilo de música. Falta-nos é um grande mercado que consiga sustentar toda esta criatividade que o país atravessa.
Aliás, penso que se está a fazer grande parte da melhor música de todos os tempos na actualidade. Os Tool nunca poderão ser considerados musicalmente inferiores a um Mozart, e dificilmente me conseguirão tirar esta ideia da cabeça. Não ligo muito a “velhos do Restelo” (embora seja do Belenenses) que ainda consideram o Jim Morrison um deus, e a quem nada interessa depois dos Doors ou dos Led Zeppelin.
Penso que a música vai sempre melhorar. É como se tudo o que foi feito até aqui seja uma “demo”, uma base para tudo o que se irá aperfeiçoar depois.

E em relação ao estado actual do país?

Somos movidos – para o bem e para o mal – pelo espírito do “desenrasca”. É esta a verdadeira crise, está tudo “desenrascado” ou à procura de se “desenrascar”. O problema é que “desenrascar” não é arranjar ou substituir.
Um perfeito espelho do país é a notícia recente de que todos os partidos políticos apresentaram irregularidades nas suas contas. Se não conseguem controlar um partido, quanto mais um país? Mas a política é só um reflexo daquilo que as pessoas são, é apenas uma infiltração do espírito do “desenrasca” nos meandros dos órgãos legislativos.
Tenho uma canção que expressa a minha opinião sobre o país de forma bastante clara.
“Quero viver em Portugal / paraíso semi-tropical / onde o roubo é religião e quem não rouba é tolo / não faz mal desde que me calhe uma fatia do bolo / quando se chega a qualquer lugar / qualquer escadote serve de altar”

Quais os próximos passos de Landfill?

Quero tocar mais ao vivo, mas não exclusivamente como “one-man show”. O ideal seria arranjar uma banda, mas não é fácil encontrar músicos com vontade e talento nesta zona.
Pretendo editar este ou o próximo álbum também em formato físico, que é um sonho de criança, e também participar em algumas bandas sonoras e tudo o que considere projectos interessantes.
De resto, continuar a compor material melhor que o anterior, porque é essa sensação de que se consegue sempre melhor que me faz criar música.

Uma última pergunta, qual a tua personagem de banda desenhada favorita?

Sem qualquer dúvida, o Pato Donald. Trapalhão, mas com uma bondade natural que não é excessiva nem hipócrita.

Curiosidades:

Porque o nome Landfill?

Vem de duas canções que gosto bastante: The Sky is a Landfill de Jeff Buckley, e No Surprises de Radiohead (a heart that’s full up like a landfill). E gosto da ideia do aterro sanitário, um sítio onde enterramos o lixo para que este se degrade mais depressa. A velha questão da catarse da alma, talvez.

Instrumentos que utilizas nas tuas músicas?

Actualmente, baterias programadas, guitarra e voz. O baixo é simulado na guitarra, assim como os teclados. Para o “Panorama de uma vida normal” utilizei teclas, guitarras, baixo, ventoinhas, sintetizadores, aspiradores, fogo de artifício, pilhas, chaves de fendas, televisões, rádios, harmónica, vento, chuva, vizinhos, etc.
Mas penso utilizar todos os instrumentos que alguma vez possa vir a ter, no entanto sou apologista de se fazer o melhor possível com o que se tem.

Influências?

Tudo pode servir de influência. Cheguei a “roubar” acordes de uma música de uma espécie de girls band que vi (daquelas que correm tudo o que são terreolas aqui pelo Alentejo).

Bandas nacionais que costumas ouvir?

Mundo cão, Madcab, Feromona, TV Rural, Mão Morta, Dead Combo, Linda Martini, Old Jerusalem, Azevedo Silva, 2008, Sam The Kid, Sérgio Godinho, Carlos Paredes, Wray Gunn, Pluto, Luís Costa, Astroboy, Carlos Bica & Azul, Jorge Palma, Jorge Cruz, Ornatos Violeta, Sean Riley And The Slowriders, etc. Ouço bastante música portuguesa, não por ser feita em Portugal, mas simplesmente porque a acho boa. É este o meu critério para toda a música.

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