quarta-feira, 27 de junho de 2007

Na Grafonola do Marsupilami com Luís Costa

Luís Costa tem-se revelado um verdadeiro artista, no sentido lato da palavra. Tudo o que tem feito, tem o feito com gosto e dedicação apesar de alguma preguiça (esta última palavra foi dita por ele!). O talento salta á vista, ou melhor, aos ouvidos de quem ouve o seu trabalho. Tanto nos Madcab, onde faz um trabalho excelente na secção rítmica da banda, como no seu projecto a solo, onde a inspiração e a imaginação parecem não ter limites. Uma conversa relaxada e sincera com ele, segue-se já de seguida...

Antes de mais, obrigado Luís Costa, por aceitares responder a algumas perguntas que te queria fazer. Obrigado.

Quando e como surgiu este teu projecto a solo?

Surgiu de uma forma muito espontânea e nada planeada. Apesar de ter começado pela guitarra, estive vários anos dedicado exclusivamente à bateria. Em Abril de 2005 fui ver um concerto da Joanna Newsom e do Ben Chasny (Six Organs of Admittance) ao Lux e fiquei simplesmente maravilhado com a simplicidade e o poder emocional das canções que ambos apresentaram a solo. Eu cresci nos anos 80 e para mim o conceito de artista a solo resumia-se ao Phil Collins e Elton John… acho que aquele concerto abriu-me os olhos para o facto de que não é preciso 10 layers de guitarra e uma secção de cordas para se transmitir algo de grandioso. No dia a seguir pus-me a dar uns toques na guitarra e surgiram logo algumas ideias que gravei no computador. Nessa altura falava frequentemente pela net com um amigo meu do Porto, o Hugo Raposo, e ele ofereceu-se para gravar voz numa música; gostei tanto do resultado final que acabámos por trabalhar juntos em vários temas, que deram origem à demo "Syn-er-gy". Infelizmente, por vicissitudes da vida deixámos de ter tempo para colaborarmos juntos e no início de 2006 decidi continuar a fazer as minhas gravações a solo, tentando arranjar outras alternativas para compensar a ausência de voz.

Para além deste teu projecto, és baterista dos Madcab, e ainda participas num projecto de um amigo, o Syn-er-gy. Como consegues lidar/separar todos estes projectos?

Acho que desde que haja vontade e motivação, arranja-se sempre tempo. O projecto Syn-er-gy como expliquei em cima está de momento em hiato, portanto basicamente é só Madcab e as minhas coisas a solo. Esta última demo, por exemplo, foi gravada aos bocadinhos ao longo de quase um ano. Algumas coisas foram gravadas durante a minha hora de almoço do trabalho, a maior parte das misturas foram feitas assim. É claro que se tivesse mais tempo seria tudo muito mais rápido, mas como não tenho compromissos comerciais a cumprir, tenho todo o tempo do mundo.

“…So Said The Mute” é a tua terceira demo, onde (mais uma vez) mostras uma enorme criatividade e inspiração. Onde vais buscar tudo isso?

É difícil de fazermos uma auto-análise a esse nível, mas penso que a diversidade de estilos e ambientes nas minhas músicas é um resultado natural de ouvir música muito variada. Apesar de o rock "alternativo" ser o estilo musical com que mais me identifico, sou fã de muitas outras coisas e acho que não há nenhum estilo que desdenhe completamente. Há 10 anos atrás tinha uma mentalidade muito mais fechada nesse aspecto, mas houve uma progressão natural e eventualmente percebi que em todos os géneros existem coisas boas e coisas más.
E depois, como nos Madcab trabalhamos mais dentro da área do rock, inevitavelmente procuro explorar outros ambientes nos meus temas a solo para desanuviar da barulheira infernal que são os nossos ensaios! :)

Que feedback tens tido em relação ao teu trabalho?

Melhor do que eu alguma vez poderia imaginar. O myspace teve um papel fundamental nisso, porque antigamente tu gravavas umas músicas tuas numa k7, passavas aos amigos e/ou eventualmente enviavas para umas rádios, e o feedback que recebias era sempre muito limitado; hoje em dia tu pões um tema no myspace e imediatamente podes começar a receber feedback em relação ao que fizeste, vindo dos 4 cantos do mundo. Parecendo que não isso é uma grande força motivadora para continuares a criar e foi o que se passou comigo, desde que pus as primeiras músicas de Syn-er-gy online que o feedback recebido sempre ultrapassou largamente as minhas melhores expectativas. Para além disso, também tenho recebido feedback muito positivo de outros artistas que admiro profundamente, essas são as minhas maiores "pequenas vitórias".

Para quando a apresentação dos teus trabalhos ao vivo? Pensas nisso?

Penso, já há bastante tempo, mas há alguns entraves que ainda não conseguir ultrapassar, até pela própria natureza do projecto. Eu gravo tudo em casa no PC, e é impossível reproduzir as músicas ao vivo sozinho, precisaria sempre de outros músicos. Ora, uma das coisas que mais me agrada no trabalho a solo é precisamente o poder fazê-lo no conforto do lar, sem quaisquer horários e sem os compromissos habituais inerentes a uma banda… esse é o principal motivo pelo qual ainda nunca apresentei as músicas ao vivo, para além da minha enorme preguiça que certamente também teve alguma influência! :) Mas de qualquer maneira, comecei recentemente a ensaiar com um amigo no sentido de preparar uns concertos ao vivo mais lá para o final do ano, num formato ainda por decidir...

E para quando um álbum?

Se te referes a um álbum com edição comercial, não te sei dizer. Não é de todo uma prioridade, porque enquanto não gastar dinheiro para gravar as minhas músicas, não vejo porque hei-de cobrar a alguém para as ouvir. A médio-prazo gostaria de poder gravar alguns dos temas num estúdio profissional e para tal precisaria certamente do apoio de uma editora, mas como disse não é uma prioridade a curto-prazo.

Tens utilizado a net como teu grande aliado na divulgação da tua música, disponibilizando sempre os teus trabalhos na totalidade para download. Vais continuar a faze-lo dessa forma? E qual a tua opinião em relação á música versus net?

Acabei por responder a isso na questão anterior, mas basicamente a Internet é o maior aliado de qualquer músico desconhecido que queira divulgar o seu trabalho. Não só te permite chegares a um público-alvo vastíssimo e sem limitações geográficas, coisa que seria impensável há uns anos atrás, como te permite interagir directamente com os teus fãs e perceber melhor aquilo que estás a fazer bem e o que estás a fazer mal. O problema que ainda subsiste é saber como é que isso poderá ser rentável para quem depende financeiramente da música… acho que no futuro irá passar muito por uma maior consciencialização dos fãs da necessidade de apoiarem os artistas que admiram, quer através da compra de álbuns e merchandise, quer nos concertos; não numa perspectiva de criminalização dos downloads, como tem sido feito até agora, mas numa perspectiva de se permitir os downloads e confiar que se o ouvinte gostar do que ouviu e tiver possibilidades financeiras para tal, irá certamente comprar o álbum e aparecer nos concertos.

O número de artistas e bandas que existem hoje em dia é “quase ilimitado”. Cada dia que passa surge centenas, talvez milhares de novos projectos em todo o mundo. Como artista, e depois como consumidor de música, que pensas disso?

Bom, às tantas é um bocado avassalador e eu próprio muitas vezes dou por mim a "picar" álbuns e a pô-los de lado após 1 ou 2 audições, o que é bastante injusto porque certos trabalhos requerem audições mais cuidadas. Mas faço um esforço consciente para evitar essa atitude, tento equilibrar a audição de coisas novas com álbuns mais antigos que não me canso de ouvir. Acima de tudo acho que é preciso bom senso e um pouco de moderação, qualidades cada vez mais raras nos dias que correm.

Qual a tua opinião sobre o actual panorama musical português?

É provavelmente a melhor fase que me lembro na música portuguesa. Temos uma quantidade enorme de novos artistas a fazerem coisas incríveis nas mais variadas áreas, quer ao nível amador quer ao nível profissional (bandas com edição comercial); o público começa finalmente a aparecer mais nos concertos de bandas nacionais, especialmente o pessoal mais novo; as bandas também estão um bocadinho mais organizadas (pelo menos a nível do underground) e já se mexem no sentido de organizarem concertos conjuntos e criarem oportunidades, em vez de esperarem que alguém faça isso por eles. É irónico que tudo isto aconteça ao mesmo tempo que se vive a maior crise de sempre da indústria discográfica, só prova que há um completo desfasamento entre as pessoas que gerem a indústria da música e as pessoas que a fazem.

Que pensas do estado actual do nosso país?

Não faço ideia, estou demasiado ocupado com os meus projectos musicais para ver notícias! :) Fora de brincadeiras, confesso que não sou uma pessoa que ligue muito à política ou ao que se passa a nível social... não quero com isto dizer que seja completamente indiferente ao que se passa à minha volta, há situações que são demasiado gritantes para se ignorarem, mas confio que outras pessoas com mais jeito que eu para o assunto tentem fazer algo para garantir uma maior justiça social.

E a seguir, quais os próximos passos de Luís Costa?

Não faço grandes planos, prefiro deixar a coisa fluir tal como tem acontecido até aqui. O único objectivo concreto para já é mesmo o tentar arranjar maneira de dar uns concertos, com a ajuda de uns amigos. Depois logo se vê...

Para terminar, conheces o doce tradicional de Santa Maria da Feira, que é a fogaça? Se sim, gostas ou nem por isso? (risos)

Não conheço, mas tenho esperança que me leves uma amostra para o próximo concerto de Madcab. :)

Curiosidades:

Influências?

Certamente que muitas, mas nenhuma que consiga identificar racionalmente.

Que instrumentos usas nas tuas gravações?

Guitarra, ritmos programados no Fruity Loops 5, alguns instrumentos programados em MIDI, ocasionalmente uma bateria roland V-Drums e ainda mais ocasionalmente voz.

Bandas nacionais que tens ouvido ultimamente?

Hipnótica (o novo álbum é dos melhores que ouvi este ano), Maria João, Micro Audio Waves, Azevedo Silva (outro dos álbuns do ano), Linda Martini, entre muitos muitos outros.

Qual a tua personagem favorita de banda desenhada?

O Hiro Nakamura do 'Heroes' conta? :)

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