sábado, 12 de maio de 2007

Na Grafonola do Marsupilami com Azevedo Silva

Azevedo Silva é um grande talento, disso não tenho a menor dúvida. Entre a voz que dá aos Madcab, e o seu projecto a solo, ele divide-se em "dois estados de espírito diferentes". Diferentes, mas de igual modo surpreendentemente fabulosos. Como não podia deixar de ser, o Marsupilami esteve á conversa com ele.

Antes de mais, obrigado Azevedo Silva, por aceitares responder a algumas perguntas que te queria fazer. Obrigado.

Marsupilami (M) - Quando surgiu a ideia de fazer este teu projecto a solo?

Azevedo Silva (AS) - Esteve sempre presente. Sempre tive esboços de músicas. Sempre coleccionei temas que eram rejeitados e sempre gostei de compor fora da esfera das bandas pelas quais passei.

M - Para além deste projecto a solo, és também a voz dos Madcab. São dois projectos diferentes, para não dizer bastante diferentes. Como consegues tu separar estas duas facetas?

AS - São dois estados de espírito diferentes. Para cada um deles tenho a minha inspiração e, em cada um, pretendo expressar-me de maneiras diferentes. Era também interessante perceber se realmente conseguia ir mais além e compor algo sem uma banda, regressar ao processo simples de dizer algo que me apetece sem grandes apetrechos. Acho que as pessoas não têm só uma personalidade mas são capazes de ter medo de deixá-las aparecer. Deixei, lentamente, aparecer o Azevedo Silva. A minha parte melancólica, a minha parte mais sombria, a mais entristecida ou desanimada.

M - Ainda antes do teu EP “Clarabóia”, deste três concertos em Copenhaga. Como foi a reacção numa cidade de um país tão diferente do nosso?

AS - Foi uma reacção interessante e da qual eu não estava à espera. Encorajou-me também a compor o disco. Era estranho ser identificado como o “fado guy”, explicar-lhes o que estava a cantar e eles dizerem-me: “eu sei o que isso é, eu também me sinto parte desse fado”. Para mim foi uma experiência muito boa, ainda que o que eu faço não se enquadre na definição de Fado. Para eles é uma canção triste e penso que esse sentimento é ainda mais forte e transmissível quando apresento os meus temas ao vivo.

M - Os concertos que tens dado um pouco por todo o país, como têm corrido, e qual tem sido o feedback?

AS - Ainda há pouco tempo comecei a promover a “Tartaruga” e penso que as pessoas ainda não conhecem bem o meu disco. A “Clarabóia” era sobretudo um registo ambiental e, de repente, tenho um disco cheio de músicas que expressam algo que se está a passar na nossa sociedade, que precisam um pouco mais que uma única escuta. No entanto, as críticas têm sido todas muito boas e o feedback nos concertos tem sido interessante. Vamos indo lentamente…

M - “Tartaruga”, apesar da raiva contida, consegue transmitir uma beleza enorme, como criando um mundo novo. Quando compões entras nesse mundo criado por ti, ou não vês as coisas dessa forma?

AS - Estou certo de que todos os artistas têm referências e não me ficava bem dizer que não as tenho. Compor a “Tartaruga” requereu de mim esse papel: abstrair-me. Inevitavelmente, com este registo, senti a necessidade de dar largas ao que me apetecia fazer, sem passar por uma ou outra tentação. E penso que ao seguir esse instinto, ao não rejeitar uma ideia porque não me soava a algo que já conhecia, acabei por criar algo ainda mais sentido, algo mais particular e pessoal. Ao mesmo tempo, julgo que foi fundamental que este registo tenha sido gravado com um amigo que tem o mesmo espírito aberto e que fez um óptimo trabalho. Os créditos da gravação vão todos para o Filipe Grácio (também guitarrista dos Madcab).

M - Lançaste o teu álbum através da nova netlabel portuguesa Lástima, que usa a net como a sua grande aliada. Qual a tua opinião acerca da música versus net?

AS - Bom, já agora gostava de te dizer que a Lástima é mais um projecto do qual eu faço parte e, por isso, concordo com o que estamos a tentar fazer. Eu acredito que a música é livre e vou continuar a procurar músicos que partilhem da mesma ideia. Pelo que me é dado a perceber, o mercado musical a que estamos habituados está a mudar, até porque a nova geração já nasceu com a partilha do mp3. Se vejo a música como uma arte e uma paixão, eu quero partilhá-la. Para mim é interessante chegar a milhares de pessoas que podem ouvir a minha música e o meu disco na íntegra em qualquer parte do Mundo.

M - O número de artistas e bandas que existem hoje em dia é “quase ilimitado”. Cada dia que passa surge centenas, talvez milhares de novos projectos em todo o mundo. Como artista, e depois como consumidor de música, que pensas disso?

AS - Acho que é bom que assim seja. Acho que qualquer pessoa pode pegar numa guitarra ou noutro instrumento e fazer canções. Não há uma sociedade secreta de pessoas cursadas em música. Confesso-te que é muito difícil seguir tudo o que vai saindo. Penso que muitos desses lançamentos também se apoiam na Internet e muitas pessoas não têm acesso a esses registos porque são preguiçosas e porque, só por si, é difícil chegar às pessoas. Não me parece que haja uma procura permanente de cultura e de coisas novas.

M - Como vês a o mundo da música em Portugal?

AS - Acho que temos tido lançamentos e projectos fantásticos. Não sei como era o panorama musical em Portugal há dez ou vinte anos. Não seguia tão intensamente. Há muitas bandas boas mas basta-me falar do que se passa aqui em Lisboa para termos uma ideia da loucura que têm sido os últimos meses: Linda Martini, Men Eater, If Lucy Fell, Riding Pânico, Bypass, Dead Combo, Lobster, Madcab, a malta da Catadupa!, Voodoo Economics, Luís Costa, Norberto Lobo, etc. Tem sido uma loucura. Só espero que tudo comece a melhorar nesse sentido: mais salas, mais condições, mais respeito, mais público, mais procura. Por todo o País, claro.

M - Que pensas do estado actual do nosso país?

AS - Penso que temos muita coisa para melhorar. Na minha opinião estão a ser dados alguns passos e estão a ser feitas algumas reformas que serão importantes se continuarem a ser feitas. No entanto, dia após dia também há casos de corrupção autárquica, falsificação de documentos, suposto abuso de poder e autoridade, de dinheiros públicos mal gastos. Com tudo isto que se tem passado, eu vejo com algum espanto um efémero reaparecimento de movimentos que já não fazem sentido. A democracia já venceu várias vezes mas não a podemos tomar como garantida.

M - Quais os próximos passos do projecto Azevedo Silva?

AS - É continuar a promover o disco até ao próximo registo, quer com concertos por Portugal, com artistas de fora ou pela Europa. É preciso espalhar a mensagem.

M - Para terminar, conheces o doce tradicional de Santa Maria da Feira, que é a fogaça? Se sim, gostas ou nem por isso? (risos)

AS - Não, sinceramente não conheço mas já conheci o covilhete de Vila Real. Aguardo por um convite de Santa Maria da Feira!


Curiosidades:

M - Influências?

AS - Penso que é importante ouvir um pouco de tudo e eu tento ouvir muita música. Prefiro falar sempre numa referência: Zeca Afonso.

M - Quais os instrumentos que usas no álbum “Tartaruga”?

AS - Como tentei explicar, dei um bocado uso ao que tinha, deixei-me levar. Usei um pincel, uma guitarra acústica, um ebow, um shaker, uma pandeireta, um instrumento que nunca soube como se chama mas que nós decidimos chamar-lhe “quebra ossos”, uma garrafa de água…Enfim, um pouco do que estava à mão, tudo o que servisse para completar a ideia que tinha para concretizar no momento.

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